Por
Breno “Lobo Branco” Brito
Infelizmente, eu, como todo mundo, vi a nova pesquisa do IPEA (instituto de pesquisa econômica aplicada, ou algo assim). Tive dois anseios imediatos. O primeiro foi controlar o reflexo de vômito. O segundo, foi pensar “Caralho, como podem? eu não sou assim”. Como eu poderia ser assim? Sou “comunista”, prezo pelo controle do estado pelo trabalhador, pela igualdade social, ou seja, pela igualdade de gênero dado empoderamento das mulheres (cis e trans*), pela igualdade racial, pela igualdade em qualquer sentido amplo e restrito quanto a acesso a educação, saúde, segurança, trabalho e pelo fim da exploração do ser humano pelo ser humano. Então, como EU, poderia me ver como um dos ~65% de “brutos” que acham que mulher com roupa curta está pedindo para ser estuprada? JAMAIS‼!
Não poderia aceitar que sou nada mais, nada menos que um monstro. Uma fera que ataca aquelAs em situação vulnerável e que justifica esse ataque dado o comportamento dessas pessoas. Não basta tratar mulheres como pedaços de carne, tenho que fazer por merecer e atacá-las, tal um troll esfomeado frente a um casebre abandonado. Mas, eu não sou um troll, não é mesmo? Mas eles são 65% da população. Dado os critérios da amostragem, eu poderia dizer (assumindo os riscos ao extrapolar uma amostra à população total) que são 130 milhões de pessoas aqui no Brasil que concordam com isso. E eu faria parte do resto, o resto civilizado, cheiroso e minimamente humano. Assim como todo mundo se diz ser, não é mesmo?
Mas, infelizmente, eu não faço. Em todos os sentidos eu não concordo com nada que consiga perceber (ou me indiquem) da cultura de estupro. Nada mesmo (e não mereço prêmio nenhum por isso, afinal NÃO CONCORDAR COM FACILITADORES e ESTIMULADORES DE ESTUPRO só me faz uma pessoa MINIMAMENTE MORALMENTE SOCIÁVEL). Mas isso jamais me isentaria da culpa dos 65%. Eu sou parte fundamental dessa cultura de merda que leva 65% da população a dizer que roupa causa estupro. Mais do que 50% dizer que conduta feminina recatada previne a violência contra elas. Essa cultura fascista (palavra que voltou a moda com o estado nazista e que consegue descrever tão bem essa situação) e TERRORISTA, QUE CULPA AS MULHERES PELOS CRIMES QUE ELAS SOFREM e me coloca (junto a todos os outros homens) como pobres coitados, inocentes que não conseguem resistir a impulsos assassinos. ASSASSINOS SIM, pois se a VIOLÊNCIA SEXUAL não MATA diretamente o faz DE INFINITAS outras FORMAS.
SE EU NÃO ACEITASSE ISSO, SE EU ME LEVANTASSE E COMBATESSE SEMPRE ESSE TERROR EM TODOS OS LOCAIS QUE PUDESSE, NÃO TERÍAMOS 65% DE UMA POPULAÇÃO NORMATIZANDO ESSE ABSURDO, E O PIOR, ACEITANDO QUE ISSO DEVA ACONTECER. Então, eu não sou apenas alvo de interesse e favorecido por essa cultura (FAVORECIDO SIM, pois eu não só NÃO TENHO QUE ME PREOCUPAR com a forma que me comporto, COMO POSSO DIZER QUE OS ABSURDOS QUE FAÇO CONTRA AS MULHERES É CULPA DELAS) sou também UM DOS RESPONSÁVEIS pela sua manutenção e alastramento. SOU parte dO maldito COMBUSTÍVEL que permite essas chamas infernais queimarem cada vez mais e mais as mulheres, e cada vez mais a colocarem em um estado de terror e dúvida constante.
Eu continuo me permitindo fazer partes de espaços onde essa ideia, muitas vezes mascarada como piadas e brincadeiras, se fixa. Continuo ouvindo homens repetirem esse absurdo e não me levantando contra isso constantemente e repetitivamente. Não faço um costume tão inerente como respirar usar de meus privilégios e espaços de destaque para fazer as pessoas ouvirem um pouco de razão. No fim, me nego a retirar a mascara de bom moço o qual me esconde. Mantenho minha face monstruosa nas sombras e descanso em paz porque repito que nunca fiz e nem faria um absurdo desse (como se fosse especial por ser um ser MINIMAMENTE moral).
Mas eu o FAÇO. Para cada mulher violentada, violada, morta, aterrorizada, eu compartilho um quinhão da culpa. Sou tão monstruoso como os outros 65% que dizem abertamente sua monstruosidade. SOU UM PESADELO AMBULANTE ATRÁS DA MASCARA DE PORCELANA DE UM HERÓI GALANTE. E por isso peço desculpas.
Não que elas sirvam de alguma coisa. Não servem. Na verdade só são mais uma válvula, como dizer que não sou parte dos 65%.
Mas PASSOU DA HORA DE ADMITIRMOS (eu e todos os homens que dizem não estar nos 65%, mesmo estando) isso e começar a agir para mudar. Está na hora de CAÇARMOS OS MONSTROS, e o primeiro monstro que deve ser caçado é aquele que somos. Não podemos permitir a existência dos 65%, e isso inclui a nossa própria existência, como ela se configura – estupradores em potencial com a certeza da inocência. PRECISAMOS SER UM NOVO HOMEM PARA UMA NOVA SOCIEDADE. Mesmo que a sociedade ainda não mude, precisamos ser aquilo que é moralmente correto. COMBATER O MAL POR DENTRO SEGUINDO O EXEMPLO DE QUEM O COMBATE A TODO O MOMENTO EM TODAS AS INSTÂNCIAS, ou seja, seguindo o EXEMPLO DAS MULHERES.
É árduo, mas não podemos permitir mais a manutenção de um estado de sítio contra quem são nossas iguais. A IGUALDADE NÃO PODERÁ SER ALCANÇADA de outra forma, não poderá ser alcançada SEM O EMPODERAMENTO E A SEGURANÇA DAQUELES QUE OPRIMIMOS.
E quem não quer uma sociedade igualitária?
ÀQUELES QUE NÃO QUEREM, QUE SEJAM ELIMINADOS JUNTOS AOS MONSTROS ATRÁS DAS MASCARAS.
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Esse texto opiniativo é apenas um desabafo dado a indicação do absurdo que vivemos. Uma mera opinião que espero que alguns homens concordem. Triste que o que digo aqui não tem nada de original, mas que milhares de autorAs vivem repetindo a exaustão. Uma colocação ridiculamente simples e moralmente básica. E é desesperador que elas encontrem apenas ouvidos moucos. Espero que algum tolo que ache que não faz parte dos 65% (e esses também) ouça de alguma forma esse recado. Que, com mais uma voz se somando a elas dê algum tipo de força para ultrapassar a resistência de ser um estuprador. E que assim busquem a voz delas para se instruir…
Meu caro amigo, vc expressou parte dos sentimentos que tenho por mim mesmo.
O processo de desconstrução das opressões da sociedade deve passar por uma reflexão constante do que está entranho em nós mesmxs. Gostei muito do texto, pois ele me fez relembrar que isso implica na busca constante de analisarmos a nossa situação, mas também e principalmente a busca de entender x outrx (pessoas de grupos socialmente oprimidos e que não fazemos parte). Dentro de todas as minhas limitações, meus erros, minhas opressões reproduzidas ou praticadas, tenho acreditado que esse é um bom caminho para me tornar uma pessoa melhor.